Escrever é sempre assumir qualquer coisa. Eu me revelo, você me desvenda. Eu faço fita, você me cobra. Se sou, é porque finjo; se não sou, finjo ainda mais. E as palavras? Certas, erradas, escondidas, presas, arredias, vazias. Um amontoado delas e eu posso ser um quase nada ou um quase tudo. Clarice estava certa. É preciso muita coragem para se aventurar na concretização do que se sente, e fazer o que é difícil: dizer. Ponho a cabeça a prêmio, me exponho, emociono, desagrado. É sempre o velho risco da "pobreza da coisa dita". Então me atiro, arranco as páginas e jogo para cima, como numa cascata de cartas mal acabadas. Eu te conquisto, você me cospe na cara. Eu te xingo, volta-me uns abraços. São sempre as pessoas ditando conceitos e escolhendo o que se vai sentir? Eu só quero escrever, deitada no travesseiro alto, as pernas abraçando colinas cobertas de neve, e nenhum pudor.
Chamas-me puta. Te beijo os olhos. Visto o meu maior segredo e ando descalça, segurando as sensações que jamais perceberão. Um anjo me soprou o rosto no instante exato da careta e virei carranca do Rio São Francisco. Uso meus verbos, nomes, adjetivos, pronomes. Já é pretérito perfeito e você nem reparou, meu bem. Mas eu continuo lá. Palavras escritas são como água de torneira: não voltam atrás. Escreva-me uma carta, publique um livro. Esqueci os sinais de pontuação em algum lugar e já não sei como voltar seguir partir ficar. Escrever incomoda. Salva.
Hoje vi um sapo. Deve ser difícil anotar a vida na pontas de patas esponjosas. E digo sem mesmo gostar de pés: todos umas coisas chatas e cheias de dedo. Não tentei manter contatos. Gente verde me assusta. Pensei nuns versos. Mas sei que não agradaria. Poesias me confundem. Ainda que apaixonem. Como amar o que não se entende? Não sei. Talvez por nunca ter lido que era preciso entender. Então sou apenas o que se sente. Foi Drummond quem sussurrou. "O primeiro amor passou. O segundo amor passou. O terceiro amor passou. Mas o coração continua". Um pacto, diria. Com as sensações. Porque nem tudo começa com "era uma vez". Feliz para sempre? Perguntem à Cinderela. Eu prefiro inventar os meus finais. É quando os dedos são apontados e eu, ainda assim, te perdôo. Me revelo, você se espanta. Acusa! - que eu gosto. Quebro vasos, me imagino matando pessoas, lambo a cobertura do bolo. Você me quer? Sou ninguém.
Se escrevo é porque busco qualquer coisa que não sei o nome, mas faz falta. Vaidosa, burra, egocêntrica, inconseqüente, pudica, generosa. Você me condena, eu me liberto. Somos o erro e o exagero. Cada um com suas loucuras. Eu quero apenas dois dedos de prosas, espaços abertos, letras de nanquim pintando as entrelinhas, e o meu erro no jornal. Escrevo para viver. Do contrário, viro espaço aberto, absurdo, caricatura de palhaço. Não faço graça. Ela corre atrás de mim. Uma grande charada.
Nathalia Duprat |