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quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008
Decifra-me

Escrever é sempre assumir qualquer coisa. Eu me revelo, você me desvenda. Eu faço fita, você me cobra. Se sou, é porque finjo; se não sou, finjo ainda mais. E as palavras? Certas, erradas, escondidas, presas, arredias, vazias. Um amontoado delas e eu posso ser um quase nada ou um quase tudo. Clarice estava certa. É preciso muita coragem para se aventurar na concretização do que se sente, e fazer o que é difícil: dizer. Ponho a cabeça a prêmio, me exponho, emociono, desagrado. É sempre o velho risco da "pobreza da coisa dita". Então me atiro, arranco as páginas e jogo para cima, como numa cascata de cartas mal acabadas. Eu te conquisto, você me cospe na cara. Eu te xingo, volta-me uns abraços. São sempre as pessoas ditando conceitos e escolhendo o que se vai sentir? Eu só quero escrever, deitada no travesseiro alto, as pernas abraçando colinas cobertas de neve, e nenhum pudor.

Chamas-me puta. Te beijo os olhos. Visto o meu maior segredo e ando descalça, segurando as sensações que jamais perceberão. Um anjo me soprou o rosto no instante exato da careta e virei carranca do Rio São Francisco. Uso meus verbos, nomes, adjetivos, pronomes. Já é pretérito perfeito e você nem reparou, meu bem. Mas eu continuo lá. Palavras escritas são como água de torneira: não voltam atrás. Escreva-me uma carta, publique um livro. Esqueci os sinais de pontuação em algum lugar e já não sei como voltar seguir partir ficar. Escrever incomoda. Salva.

Hoje vi um sapo. Deve ser difícil anotar a vida na pontas de patas esponjosas. E digo sem mesmo gostar de pés: todos umas coisas chatas e cheias de dedo. Não tentei manter contatos. Gente verde me assusta. Pensei nuns versos. Mas sei que não agradaria. Poesias me confundem. Ainda que apaixonem. Como amar o que não se entende? Não sei. Talvez por nunca ter lido que era preciso entender. Então sou apenas o que se sente. Foi Drummond quem sussurrou. "O primeiro amor passou. O segundo amor passou. O terceiro amor passou. Mas o coração continua". Um pacto, diria. Com as sensações. Porque nem tudo começa com "era uma vez". Feliz para sempre? Perguntem à Cinderela. Eu prefiro inventar os meus finais. É quando os dedos são apontados e eu, ainda assim, te perdôo. Me revelo, você se espanta. Acusa! - que eu gosto. Quebro vasos, me imagino matando pessoas, lambo a cobertura do bolo. Você me quer? Sou ninguém.

Se escrevo é porque busco qualquer coisa que não sei o nome, mas faz falta. Vaidosa, burra, egocêntrica, inconseqüente, pudica, generosa. Você me condena, eu me liberto. Somos o erro e o exagero. Cada um com suas loucuras. Eu quero apenas dois dedos de prosas, espaços abertos, letras de nanquim pintando as entrelinhas, e o meu erro no jornal. Escrevo para viver. Do contrário, viro espaço aberto, absurdo, caricatura de palhaço. Não faço graça. Ela corre atrás de mim. Uma grande charada.

Nathalia Duprat
posted by Louise @ 20:29  
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